Endometriose: A Osteopatia contra todas as possibilidades clínicas – Um estudo de caso

Endometriose: A Osteopatia contra todas as possibilidades clínicas – Um estudo de caso

A cada ano, a endometriose é uma das principais patologias tratadas na clínica ginecológica, levando a sintomas de dores, desconfortos nos ciclos hormonais e como uma das maiores causas da infertilidade feminina.

Durante o período fértil, mais de um milhão de mulheres vivenciam um episódio de doença inflamatória pélvica aguda (DIP) e mais de 100.000 mulheres tornam-se inférteis a cada ano como resultado de dor pélvica, que pode aumentar a probabilidade de desenvolver cólicas menstruais, endometriose, miomas uterinos, aderências, pólipos endometriais, câncer do trato reprodutivo. (1)

O tecido endometrial (origem do nome da doença) é uma membrana mucosa que reveste a parte interna do útero. Nas mulheres em idade reprodutiva, a espessura do endométrio sofre alterações causadas por hormônios todos os meses, preparando o útero para receber um possível embrião. Quando a fecundação não ocorre, o excesso de tecido e o óvulo não fecundado são expelidos na menstruação. Embora não esteja comprovado, é provável que a doença tenha como causa a presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, o que supostamente ocorre quando, no período menstrual, células do endométrio chegariam até a cavidade peritoneal abdominal através das tubas uterinas. (6)

Na visão da medicina ginecológica, a endometriose é uma importante doença ginecológica caracterizada pela presença de tecido semelhante ao endométrio fora do útero, ou seja, em qualquer outro lugar do corpo. Algumas teorias apontam as causas do aparecimento do endométrio fora do útero, a mais conhecida é a “menstruação retrógrada”, que ocorre quando o fluxo sanguíneo volta pelas tubas uterinas, sendo derramado nos órgãos próximos, como ovários, peritônio, intestino. Uma teoria muito considerada para o desenvolvimento da doença, são falhas no sistema imunológico. Outra hipótese estuda a transformação de células, que assumem as características do endométrio fora do útero. O tecido endometrial, uma vez fora do útero, tem a capacidade de implantar e proliferar, aumentando a quantidade de células e o tamanho das lesões de endometriose. A disseminação do endométrio pode se dar por proximidade, acometendo tecidos e órgãos pélvicos ou pela corrente sanguínea, atingindo órgãos fora da pelve. (2)

Os principais sintomas da endometriose são:

  • Cólica menstrual (presente em 90-95{8ec6837f4d4c723f3ffbc53e0f9280463c3f97d684af52f5a27bd55996592354} dos casos)
  • Dor profunda na vagina ou na pelve durante relação sexual
  • Dor pélvica contínua não relacionada a menstruação
  • Obstipação intestinal ou diarreia no período menstrual
  • Dor para evacuar
  • Sangramento nas fezes
  • Dor para urinar
  • Sangramento na urina
  • Infertilidade
  • Dores ciáticas

Segundo estudo realizado por Geoffrey M. Bove, DC PhD, em ratos Wistar fêmeas, levantou-se a hipótese de que o endometrioma pode induzir a inflamação do nervo ciático e com isso levar a sintomas de dores nas pernas irradiadas, que frequentemente acompanham a endometriose. Fizeram um autotransplante com secção do corno uterino e implantaram sobre o nervo ciático das ratas. Os nervos de controle foram colhidos após quatro meses. Todos os autotransplantes sobreviveram, resultando em uma fusão das seções do útero com os nervos. Macroscopicamente sobreviveu, resultando em uma fusão dos plexos das secções do útero. Microscopicamente, cistos túrgidos apostos aos nervos caracterizavam os complexos. Microscopicamente, os complexos continham macrófagos recrutados, indicando inflamação persistente, e eram inervados por axônios de pequeno diâmetro. A persistente resposta imune e inervação sugerem os complexos nervo-útero como fontes de inflamação e descarga neural persistente e, portanto, dor. Esse modelo poderia lançar luz sobre a dor nas pernas irradiando, que muitas vezes acompanha a endometriose. O terapeuta manual deve estar ciente da possibilidade de endometriose, causando sintomas e achados de exame que imitam as etiologias musculoesqueléticas. (3)

Os achados mais característicos da endometriose são:

  • Cistos endometriósicos ou endometriomas
  • Implantes peritoniais superficiais
  • Aderências
  • Endometriose profunda

A endometriose profunda é uma lesão infiltrativa na superfície peritoneal, penetrando no espaço retroperitoneal ou na parede dos órgãos pélvicos até uma profundidade de 5 mm. Histologicamente, caracteriza-se por hiperplasia fibromuscular que rodea os focos endometrióticos, infiltra nos tecidos adjacentes e produz reação fibrosa e proliferação do músculo liso. Se bem que a endometriose peritoneal pode ser assintomática, a endometriose profunda é causadora de dor pélvica, dismenorreias, dispareunias, disgeusia, clínica uterina e infertilidade. Suas lesões classificam de acordo com a sua distribuição em dois compartimentos:

  • Anterior: prega vesicouterina, bexiga e ureteres.
  • Posterior: parede posterior uterina, ligamentos uterosacros, fundo do saco de Douglas, parede anterior do reto e vagina. Quando afeta o meato uretral pode associar-se a hidronefroses, chegando a afetar a função renal. (4)

O endometrioma é o nome que se dá a lesão de endometriose profunda em forma de cistos de endometriose nos ovários. Os endometriomas são cistos preenchidos por sangue escuro envelhecido e por tecido endometrial. Eles podem acometer um ou ambos os ovários ao mesmo tempo. O tamanho dos endometriomas pode variar de lesões pequenas (1-3 cm) até lesões grandes (acima de 6-7 cm). A presença de endometriomas grandes é uma indicação importante de tratamento cirúrgico. (2)

 

A endometriose pode levar a infertilidade por vários mecanismos diferentes:

  • Distorção anatômica – obstrução das trompas, aderências que impedem o transporte do óvulo até o encontro com os espermatozoides no interior da tuba uterina.
  • Mudanças no fluido peritoneal – produção de substâncias e células inflamatórias que interferem com a interação óvulo-espermatozoide.
  • Desordens ovulatórias – provocadas pelas substâncias inflamatórias e modificações nos folículos ovarianos.
  • Alterações foliculares e embrionárias.
  • Anormalidades miometriais.
  • Desordens de implantação embrionária – alterações endometriais pela produção local de estrogênio e resistência a progesterona. (2)

Segundo a Osteopatia, a endometriose seria uma consequência de uma disfunção do útero na qual ele perderia a capacidade de seus movimentos inerentes durante a menstruação, ajudando na evacuação do endométrio descamado na renovação desta parede interna, havendo uma congestão do endométrio a cada ciclo menstrual e com isso o excesso desse conteúdo de endométrio acumulado com o tempo migraria para outras regiões como as tubas uterinas, levando esse conteúdo extravasar para a cavidade pélvica e abdominal através das fimbrias.

Esse endométrio em regiões não fisiológicas levaria a uma irritação das estruturas atingidas, causando a formação de aderências nesses locais.

Tem sido demonstrado que cicatrizes e aderências tornam-se inervadas com fibras nervosas que possuem propriedades consistentes com os nociceptores (Herrick et al., 2000b; Sulaiman et al., 2001b; Liang et al., 2004). Endometriomas, as lesões que ocorrem a partir da endometriose, também se tornaram inervadas com fibras similares (Berkley et al., 2005). Estimulação mecânica de aderências no intraoperatório levou a relatos de dor (Almeida; Val-Gallas, 1997; Almeida, 2002). (5)

O exame externo do colo de útero, tubas uterinas e ovários pode indicar a localização da tensão máxima, porém é necessário o exame interno para obter informações mais específicas. Essa área é bastante apropriada para realizar tratamentos osteopáticos e os resultados são notáveis. Observou-se que o tratamento interno é mais preciso e mais rápido e que seus resultados levam a maiores percentuais de melhora. Still, Woodhall e Barral descrevem as técnicas internas.

Os osteopatas acreditam que a manipulação do corpo pode nos afetar no nível celular. Os efeitos da flutuação hidrodinâmica dos fluidos corporais restauram o movimento e a vida ao nível de “pontos mortos”, ou disfunções somáticas, alterando a estrutura dos tecidos. A pesquisa mostrou que mudanças na estrutura dos tecidos do corpo alteraram a estrutura do endosqueleto da célula, que, em seu retorno, poderia realmente alterar a expressão genética e o metabolismo celular. Consequentemente, acreditamos que podemos fazer uma mudança significativa em todos os níveis, manipulando os tecidos do corpo.

Movimentos uterinos estão sob o controle de complexos fatores nervosos e endócrinos centrais que podem alterar o tônus, a pressão vascular e a absorção de líquidos celulares.

Os osteopatas consideram que a manipulação do corpo pode afetar o bom funcionamento do corpo, sua homeostasia e saúde global dependem, entre outros aspectos, dos movimentos em todas as suas possibilidades e vertentes, micro e macroestrutural.

Caso clínico

  1. R. P., 32 anos

DIAGNÓSTICOS:

Endometriose grau IV profunda-infiltrativa, adenomiose, endometriomas, obstrução tubária e cistos hemorrágicos.

Tempo de diagnóstico médico: 20 anos (1998).

Início dos sintomas: 13 anos desde a menarca, com dismenorreias intensas e incapacitantes, uso de anticoncepcional contínuo.

2007: Início de investigação clínica.

Casou-se em 2013 e início da tentativa de engravidar.

Exames iniciais em 2013: Ultrassonografia (US) em dias específicos do ciclo, CA 125, Ressonância Magnética (RM) com preparo, colposcopia, entre outros, e diagnóstico endometriose grau IV profunda. Tratamento: anticoncepcional via oral. Fez exames hormonais FSH, LH, TSH estradiol, progesterona, estrogênio, ultrassom seriado e fazia controle da temperatura basal.

Evolução:

2014: Piora dos sintomas a cada ciclo, com a administração de drogas fortes como morfina e internação hospitalar. Devido à piora das dores fez uso de bloqueio menstrual por 6 meses com progesterona sintética (Allurene), após esse período, nova RM e a endometriose havia aumentado e estendido para o intestino. Fez tratamento com gastroenterologista com dieta rigorosa sem glúten e lactose.

2015: Cirurgia videolaparoscopia com videolapotomia com retossigmoidectomia de 15 cm e durante a cirurgia foi constatada a adenomiose focal anterior (endometriose no músculo do útero), nos ligamentos uterinos (ressecção parcial), endometriomais em trompas e ovários (que foram operados), na bexiga urinária, ureteres, rins, intestinos e aorta inferior.

Após a cicatrização pela fragilidade dos anexos e vísceras foram necessárias seis aplicações de quimioterapia branca, em que zerava o estradiol e induzia a menopausa precoce (Acetato de Gosserrelina 3.6 – Zoladex) por nove meses e teve sintomas como queda de cabelo, cabelos secos, perda da libido, oscilações emocionais, fogachos, queda da densitometria óssea, depressão, dores articulares e ressecamento.

2016: Voltou a menstruar normalmente e teve a presença de cisto hemorrágico com muita dor abdominal.

Fez a histerossalpingografia: Trompa Direita (onde o ovário era funcional: obstruída) e Trompa Esquerda (onde o ovário havia atrofiado após a quimioterapia e não tinha nenhum folículo): estava imóvel, rígida por aderências provavelmente pela cirurgia. Porém, o AMH (dosagem do hormônio antimulleriano) estava bom com 5,9.

2017: Cirurgia de Hidrotubulação para desobstrução das trompas e cauterização de focos de endometriose no reto e bexiga urinária.

A intenção era fazer a inseminação artificial (IA) após o segundo ciclo menstrual, mas no primeiro ciclo teve um cisto hemorrágico de 5,5 cm de ovário E e torção da trompa/ovário esquerdo com peritonite, mesmo assim fez a IA, acupuntura, indução ovarianas, coitos programados e sem resultados.

PROGNÓSTICO MÉDICO: só conseguiria engravidar se fosse por Fertilização in vitro (FIV)

No dia 04 de outubro de 2018 procurou a Osteopatia.

QUEIXA PRINCIPAL

Endometriose infiltrativa em todos os órgãos pélvicos, tentando engravidar há quatro anos, cirurgias para endometriose e desobstrução trompa ovariana esquerda (E), fez indução hormonal e duas inseminações artificiais, a última 15 dias antes da avaliação osteopática.

AVALIAÇÃO

Apresentava ausculta disfunções útero e ovários. Tinha muitas aderências em vísceras pélvicas, principalmente em anexos. Aderência em cólon sigmoide e ilíaco, aderência em fáscia de Cleyte, ligamento largo do útero, tensão sobre a artéria renal E e mesentérica superior.

Tratamento: Foram realizadas as liberações de aderências, técnicas arteriais, liberadas as estruturas vertebrais relacionadas à pelve e relação metamérica vascular e neural da pelve, técnicas de bombeio linfático e técnicas cranianas com decoaptação da articulação esfenobasilar (SEB) e liberação da hipófise.

EVOLUÇÃO

1o Retorno em 06 de novembro de 2017: Paciente teve tonturas, temperatura de 38,4 C, tomou antitérmicos. Havia menstruado há 14 dias e no dia seguinte teve um sangramento muito forte, sangue vivo, fez Ultrassom (US) e não tinha mais o cisto ovariano e liberou vários folículos, principalmente sendo dominante no ovário D. Fez coito programado usando Letrozol. Desde o dia 04 de novembro está com dores na região de ovário E, o médico achou que era aderência. Tomou HCG nesse dia.

Tratamento: Liberação com técnica interna de ovário e tuba uterina E, sentiu um grande alívio da dor após o tratamento. Foram mantidas as liberações anteriores.

Melhora do estado de humor, sem ansiolíticos/calmantes e as dores melhoraram muito. Sem cólicas menstruais. Fluxo de quatro dias e dois mais intensos e suportáveis. Menstruou dia 24/11/17, como esperado 15 dias após a última IA e progesterona.

Ovulava sempre no 16º dia após a menstruação (dp), fazia controle com a temperatura basal. No 14º dp, sentiu uma fisgada forte na região do ovário D (achou que era o cisto voltando), teve relações sexuais espontâneas e não ficou nas posições orientadas pelo médico no pós-coito. No dia 16 dp teve muco egg, mas não teve relações sexuais, pois o marido teve uma crise renal.

No dia 21 de dezembro de 2017 (dia do aniversário do marido), descobriu que estava grávida. Estas são as palavras da paciente:

“Foram mais de quatro anos tentando um bebê e 20 anos lutando contra a endometriose. Deus deu a cura, eu creio nisso! Deus honrou a nossa fé. Em todo o tempo, independentemente de qualquer coisa, nos alegramos em Deus! E Ele atendeu o desejo do nosso coração e fez muito mais do que pedimos a Ele. Nossa filha veio naturalmente! O que estava sendo praticamente impossível para a medicina, não foi para Deus”.

Com este relato de caso tenho a intenção somente de relatar o quanto temos de possibilidades numa esfera única e ao mesmo tempo global, os tecidos de um ser humano. Não podemos olhar somente para a patologia, como a certeza de ser a causa de todo o processo, como disse o Prof. Marcial Zanelli de Souza:

“Transitamos entre parâmetros e certezas. Os parâmetros formam indícios, os indícios formam informações, as informações formam perguntas que serão respondidas pelas reações específicas – frente às intervenções do osteopata – proporcionadas por essa comunicação sutil.

As certezas que vislumbramos repousam nos princípios atemporais que alicerçam todo o universo da Osteopatia de Andrew Taylor Still, pois é a própria natureza manifesta em um idioma específico cuja compreensão e aprendizado estaremos constantemente em busca.”

A verdadeira intenção de um osteopata não é cuidar de uma doença do paciente, e sim devolver a saúde a ele.

Referências

  1. Osteopathic manipulative treatment in gynecology and obstetric: a systematic review – Ruffini Nuria, D’Alessandro Giandomenico, Cardinali Lucia, Frondarli Franco, Cerritelli Francesco. Complementary Therapies in Medicine: http://dx.doi.org/10.1016/j.ctim.2016.03.005
  1. Sociedade brasileira de endometriose – www.sbendometriose.com.br
  1. A model for radiating leg pain of endometriosis – Geoffrey M. Bove, DC PhD – University of New England College of Osteopathic Medicine, Biddeford, ME, USA – Elsevier 2016 : http://dx.dol.org/10.1016/j.jbmt.2016.04.013
  1. Tratamiento osteopático de la mujer : Infertilidad funcional, embarzo y postparto – Dña. Elena Martínez Loza DO – MRO – Editorial Medos / Escuela de osteopatía de Madrid – 2012 – Madrid
  1. Fascia in the osteopathic field – Edited by: Torsten Leim, Paolo Tozzi, Anthony Chila – Handspring Publishing Limited – United Kingdom- 2017
  1. Endometriose, sintomas, causas e tratamento – http://www.infoescola.com/doencas/endometriose
  1. Entre parâmetros e certezas da avaliação palpatória osteopática – Marcial Zanelli de Souza PhD, D.O, MRO (Br) – Instituto Docusse de Osreopatia e Terapia Manual, Av. Mathias Mendes Cardoso, no 202, Central Park Residence, CEP: 19060-740, Presidente Prudente – SP – Brasil – 1a Edição – 2016
  1. Fundamentos de Medicina Osteopática – American Osteopathic Association (AOA) – Editorial Medica Panamericana – Buenos Aires – Argentina – 2a Edição – 2006
  1. La osteopatía fascial – Francisco Fajardo, D.O. FRNO-MROP-MFIOMI – Editorial Dilema – Madrid – Espana – 2012.
  1. Urogenital Manipulation – Jean-Pierre Barral – Eastland Press – 2006

Veja também